Os DVDs saíram da locadora e foram parar na Netflix, os CDs estão no Spotify, a biblioteca migrou-se para o Kindle Unlimited, enquanto o pen drive se transformou no Dropbox. Essas evoluções revelam que o conceito de venda e posse vem se desmanchando e o novo mantra do mercado é a economia da assinatura. Oferecer serviços, experiências, clubes personalizados e ter retorno financeiro recorrente.
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Especial por que tudo é assinatura em vídeo
Economia da recorrência, assinatura, associação
Ainda que tenha ganhado força na década passada, esse modelo não é tão novo: os jornais, as revistas e a TV a cabo não nos deixam mentir. Também conhecido como economia da recorrência e da associação, esse tipo de negócio passou por algumas transformações nos últimos anos e ganhou mais espaço nas grandes empresas. Atualmente, a Subscription Trade Association – SUBTA, uma associação especializada em assinaturas, mostra que existem seis pilares que sustentam esse modelo:
1) Caixas de assinatura: estão atreladas a produtos de nicho. A cada semana ou mensalmente, marcas enviam boxes com vários itens para a casa do cliente;
2) Membership: pessoas pagam uma taxa, viram associadas de empresas/grupos e têm direito a experiências exclusivas de uma marca;
3) Subscribe & Save: o consumidor pode configurar entregas de produtos variados de forma recorrente. O pilar é usado para bens de consumo, a exemplo do Amazon Subscribe & Save, considerado um supermercado online no formato de assinaturas;
4) Mídia e streaming: é um dos mais populares. Pessoas assinam serviços de áudio e vídeo em plataformas online, como Netflix, Disney+, Globoplay, Spotify, Apple Music, e têm acesso a conteúdos por elas disponibilizadas;
5) Digital Subscription: tem muita relação com empresas de tecnologia, aplicativos e plataformas digitais. Ao fazer a assinatura, você consegue ter produtos e serviços tecnológicos, a exemplo do WordPress, Wix e 1Password;
6) SaaS (Software as a Service): tem relação com licenciamento de software. Em vez de comprar, você realiza uma assinatura e pode instalar o programa no seu dispositivo. É o modelo usado por Adobe, TOTVS e Microsoft 365.
A economia da recorrência mudou a forma como consumimos
O acesso a conteúdo é o triunfo da economia da recorrência. O impacto veio de muitas formas: emissoras lançando o seu próprio streaming, IPTV legalizado ganhando força com pacotes agressivos e plataformas como o YouTube cobrando mensalidade para deixar vídeos livres de interrupções. Um setor que já vivia de planos mensais e de repente passou a ficar na contramão da tendência é o de TV a cabo.
Números obtidos pelo Tecnoblog através do Painel de Dados da Anatel mostram que em janeiro de 2014 o Brasil tinha 18.204.337 pontos de acesso a TV a cabo; em janeiro de 2020, esse número era de 15.410.300. Depois do auge em meados de 2014, a adesão a esse tipo de serviço veio caindo ainda mais. Só no último ano, o setor perdeu quase 1 milhão de assinantes.
Especialistas ouvidos pela reportagem acreditam que a TV paga sofre de versatilidade. O telespectador precisa estar muito disponível, sem a possibilidade de assistir a um programa em outro momento. Mas não é só isso, como explica Renato Svirsky, CEO da Guigo TV, uma empresa nacional de TV por assinatura via internet.
Se a gente voltar lá atrás, no início da TV por satélite, [você vai perceber que as empresas trabalhavam e ainda trabalham com] infraestruturas muito caras. Para entregar a TV a cabo você precisa cavar buraco e passar fio nos postes para conseguir entregar o serviço. O grande investimento está na infra e não no custo do conteúdo […] Não é a programação que é cara, o custoso é mandar o satélite para órbita, por exemplo […] Quando falamos de Netflix, que é o pioneiro em streaming, o consumidor está pagando pelo conteúdo.
Renato Svirsky, CEO da Guigo TV
E com o advento de DirecTV Go, Guigo TV, Pluto TV e outros, muitos brasileiros migram para o IPTV, ou simplesmente ficaram em plataformas de streaming, como Netflix e Globoplay. Um estudo da Vindi, uma companhia especializada em cobrança recorrente, mostra que entre os serviços mais pagos mensalmente pelos brasileiros estão plataformas de filmes e séries, que têm muita preferência.
A Netflix, por exemplo, domina em todas as regiões brasileiras, logo em seguida aparecem Amazon Prime Video e HBO Go (agora HBO Max). O levantamento da Vindi vai ao encontro de outras pesquisas internacionais: o The State of Mobile 2021 mostra que em 2020 os brasileiros passaram mais tempo na Netflix, no Prime Vídeo, Twitch, Globoplay e no YouTube, respectivamente.
Você tinha que estar muito disponível na TV a cabo. Por exemplo, uma emissora vai exibir uma série, a pessoa tem que estar naquela hora, naquele momento. Se você perdeu, acabou. Já o streaming tem aquela magia de escolher o horário e como que deseja assistir. Então, penso que a TV tradicional passa por um momento de transformação, não acredito ser o fim dela, porque as empresas de TV a cabo têm feito um trabalho bom de produção e digitalização de conteúdo.
Rodrigo Dantas, CEO da Vindi
Setores automotivo e de software foram fortemente impactados pela recorrência
Havia um tempo em que ter carro era o sonho de consumo para muitos jovens. No entanto, uma pesquisa da consultoria Deloitte revela que, entre os brasileiros que utilizam serviços de carro compartilhado, 55% questionaram a necessidade de ser dono de um automóvel. Esse movimento é ainda maior entre o público mais novo: 62% dos jovens das gerações Y e Z não querem ter veículo particular no futuro. Para a Deloitte, muitos deles evitam a propriedade e buscam pelo compartilhamento, realidade que vai ao encontro da economia da recorrência.
A consultoria alerta que a indústria automotiva precisa acompanhar o novo cenário de perto. Volvo, Porsche, Mercedes-Benz, Volkswagen, Audi e Nissan são algumas das montadoras que entraram na onda. Assim como na Netflix, você escolhe o melhor plano e faz a assinatura sem as burocracias e obrigações tradicionais, como manutenção, seguro e IPVA. Mirando na Uber, a Stellantis (ex- FCA – Fiat Chrysler Automobiles) lançou no Brasil a Flua, serviço de assinatura de carros com modelos da Fiat e da Jeep no catálogo. Ao escolher o plano e o veículo, o usuário não precisa se preocupar com documentação, emplacamento, licenciamento e IPVA.
Quem já fez as contas e colocou no papel o custo mensal de um carro, de manutenção e outras coisas, vai perceber, em alguns casos, vale mais a pena assinar. Depende muito do uso da pessoa. A pioneira nisso foi a Volvo: você assina […] e o carro chega horas depois na frente da sua casa. Eu acredito que é um novo modelo e as montadoras têm sofrido bastante por conta das mudanças do mundo. As pessoas mais novas estão mudando o consumo de carro, os jovens de 16 anos a 19 anos da minha geração, que o sonho era ter um carro, hoje eles não têm mais esse desejo. O objetivo agora é ter um bom celular, ter uma certa liberdade. Isso impacta diretamente os balanços das montadoras.
Rodrigo Dantas, CEO da Vindi
Além das montadoras, outro setor que se reinventou no mundo das assinaturas é o de software. Adobe, TOTVS, Microsoft, Arquivei, McAfee e Zendesk são algumas das empresas que atuam no pilar SaaS (Software as a Service) e oferecem soluções em recorrência. A dona do Photoshop que trabalha com B2B e B2C abandonou as licenças para entrar no modelo de subscrição.
No quarto trimestre de 2015, já com a nova estratégia e por ela impulsionada, a Adobe teve uma receita recorde de US$ 1,31 bilhão, um crescimento de 22% em relação ao mesmo período do ano anterior. Ainda no quarto tri, a companhia obteve mais de 830 mil assinaturas. “Alcançamos receita recorde de US$ 4,80 bilhões no ano fiscal de 2015, representando um crescimento de 16% em relação ao ano anterior”, disse a empresa na época aos investidores.
Elói Assis, diretor dos segmentos de varejo e distribuição da TOTVS, vê o fenômeno de assinaturas em software como uma via de mão dupla. As empresas que fornecem o produto passam a ter receita constante, ao mesmo tempo que o consumidor tem mais economia. Esse impacto é ainda maior em grandes corporações que saem da dependência de grandes estruturas com servidores e entram na nuvem.
Com mais de 40 mil clientes ativos, a TOTVS é uma companhia brasileira de tecnologia que fornece software de gestão. Assim como Adobe e Microsoft, ela resolveu surfar a onda da recorrência há cerca de 10 anos. No primeiro trimestre de 2015, a TOTVS viu a sua receita crescer 47% com as assinaturas. Atualmente, o modelo de SaaS representa 80% da receita de tecnologia da brasileira.
Quando o cliente faz a conta, na ponta do lápis, ele vê que é mais barato. Por isso que o pessoal muda de modelo e para nós é mais vantajoso, porque esse “ganha” fica para os dois lados. A TOTVS consegue capturar mais receita, porque, até então, nós estávamos jogando a venda de software (de licença). Agora estamos vendendo software, com servidor, com link, com equipe de suporte, de infra, etc. Ou seja, eu estou captando mais receita que eu não capturava antes […] e ainda consigo repassar economia para o meu cliente. Todo mundo ganha, ninguém perde nessa relação.
Elói Assis, diretor dos segmentos de varejo e distribuição da TOTVS
Modelo de assinaturas não é para todo mundo
A economia da recorrência é uma tendência. Ela já aparece em muitos outros setores e a Gartner prevê que 75% das empresas que trabalham no modelo de vendas deverão oferecer serviços de assinaturas até 2023. A Cobasi tem planos para envio recorrente de ração e outros produtos para o seu animal de estimação; a Nespresso tem assinatura de cápsulas; a Wine tem planos para o envio de vinhos; e a Leiturinha é famosa por enviar livros infantis.
No Brasil, a Amazon lançou o “Programe e Poupe”, serviço que permite ao cliente fazer compras de mercado por recorrência. Itens de higiene pessoal, alimentos, beleza e para pets são encontrados no site. O consumidor pode selecionar os produtos, agendar os envios e a Amazon faz a entrega automaticamente em intervalos mensais ou semestrais. O serviço chegou ao Brasil num momento em que as pessoas estavam mais presas em casa devido à pandemia e a compra online deu um salto.
Os estudos e os casos de sucesso aqui apresentados podem criar altas expectativas. No entanto, a economia das assinaturas não é para todo mundo. “Se o produto não tem o consumo recorrente por parte de consumidores, provavelmente, ele não vai dar certo no modelo de assinaturas”, diz um estudo da Vindi.
O grande ponto de um negócio de assinatura […] é [analisar] qual tamanho vai ser o projeto. Muitos dos serviços que desistem no meio do caminho são clubes que não crescem muito. Eles conseguem, por exemplo, 1 mil assinantes e param nisso. Tiveram, por exemplo, muitas iniciativas de clubes de churrasco […], porque o brasileiro é fanático por churrasco e esses serviços entregavam carnes premium nas casas das pessoas. De novo, o empreendedor precisa se preocupar com a experiência do negócio, algumas coisas não cresceram tanto porque o consumidor queria ter a experiência completa, ele não só quer receber o produto […] A melhor dica que nós compartilhamos para pessoas que não sabem se vale migrar para assinaturas é analisar o serviço: para virar um negócio de assinatura, ele tem que ter uma característica recorrente no consumido. O cliente consome toda semana? Todo mês? Todo dia? Se sim, então dá para virar assinatura.
Rodrigo Dantas, CEO da Vindi
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