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Uma fábrica de hits: como o TikTok está redefinindo a indústria da música

TikTok e a indústria da música (Imagem: Vitor Pádua/Tecnoblog)

Se essa reportagem fosse em um vídeo de 15 segundos, poderíamos começar ao som de Beggin’, na versão da banda italiana Måneskin — e eu provavelmente estaria fazendo uma dancinha constrangedora para explicar como o TikTok está transformando a indústria da música. Mas como, felizmente, não é o caso, convido você, caro leitor, a preparar a sua playlist preferida e embarcar comigo nesta visita à maior fábrica de hits do momento.

Há alguns meses, estava andando de carro e escutando casualmente uma estação de rádio. De repente, Heart Attack da Demi Lovato estava entre as mais pedidas. “Que estranho!” — me lembro de ter pensado — “Voltamos no tempo?” (Para quem não está familiarizado, a música em questão fez bastante sucesso entre 2013 e 2014, mas foi “reciclada” recentemente em desafios musicais dentro do TikTok).

Poucas faixas depois, um hit bem mais recente, Astronaut In The Ocean, que eu já tinha ouvido em algum lugar… “Ah, sim! Aquela música!”, comentei mentalmente enquanto ensaiava sozinha uma coreografia tímida.

Em outra ocasião, tropecei no Hot 100 da Billboard e o topo também era composto por algumas músicas que explodiram na plataforma. Tudo isso instigou a minha curiosidade, e aqui estamos. Que rede social interessante! Especialmente para músicos e fãs de música.

Aplicativo do TikTok (Imagem: Cottonbro/Pexels)

O TikTok é a MTV da nova geração

Millennial ou não, você deve saber que a MTV teve um papel importante para a cultura pop de toda uma geração há alguns anos. Irreverente, bem-humorada, descolada, um berço para novos artistas e diferente de tudo o que estava no mercado antes. Isso soa familiar? Bem, eu poderia usar as mesmas palavras para definir o TikTok — não somente em termos de música, mas de entretenimento, no geral. Há algumas semanas, ao apresentar instabilidade geral em serviços, o perfil oficial do TikTok Brasil chegou a brincar no mesmo estilo do canal: “Desligue seu TikTok e vá ler um livro”.

É claro, há algo novo agora — a dinâmica do TikTok em relação à MTV é muito diferente, não somente pelo tipo de mídia, mas pela velocidade e pela ordem de importância dos atores nesse novo cenário.

Também por isso, pode parecer tão difícil, para quem já está na estrada das redes sociais, se adaptar ao TikTok.

Falo por experiência própria: eu, que nasci no início dos anos 90, já havia experimentado a plataforma antes e não me sentia confortável nesse novo mundo. Velha demais? Sem tempo? Sem criatividade o suficiente? Eu descobri que não era nada disso, no fim das contas. Eu só não estava acostumada à nova lógica de descoberta que o aplicativo propõe.

O algoritmo do TikTok é diferente

Pense bem: nos últimos anos, todas as redes (basicamente, todos os produtos do Facebook) tinham uma lógica semelhante para exibir publicações. Para além dos recursos, enquanto todas as outras redes cultivam nossas bolhas como prioridade, o TikTok nos coloca frente a frente com coisas novas o tempo todo, mas de uma forma relevante.

Quando eu decidi escrever esse especial, passei a me policiar para dar um check no app todo dia de manhã, para me acostumar com a lógica da plataforma, e agora eu simplesmente faço isso porque gosto — e até demais.

Mulher atenta ao conteúdo do celular (Imagem: Meghan Schiereck/Unsplash)

Desenvolvido para viciar

Eu perguntei ao TikTok qual era o grande segredo da plataforma. É claro, não há uma fórmula mágica a ser seguida. Mas segundo Kim Farrell, diretora de Marketing do TikTok na América Latina, a grande diferença do TikTok é sua comunidade.

“Acredito que o grande segredo para o sucesso da plataforma é a própria comunidade, que se sente segura para se expressar de forma autêntica e criativa. A forma como as pessoas descobrem no TikTok permite que os vídeos dos usuários alcancem outros criadores de conteúdo que não necessariamente o seguem e também permite que mais e mais pessoas vejam aquele conteúdo e se identifiquem com ele de alguma forma. Isso faz com que o aplicativo seja um grande condutor de tendências e viralização que tomam conta de toda a internet. Essas tendências geram publicações que atingem milhões de pessoas e conectam artistas e fãs, criando conversas e narrativas únicas que representam um momento social de unidade e participação.”

Há mais do que posicionamento de marca por trás dessa fala. Conforme afirmou o especialista em tecnologia Matthew Brennan em uma entrevista à BBC no final do último ano, “os executivos e engenheiros por trás do aplicativo sabiam como transformar esse serviço de vídeo curto em uma das redes sociais mais viciantes do mundo”.

Brennan explica que o TikTok tem o melhor mecanismo de recomendação do mercado competitivo chinês. Por meio de aprendizado de máquina, o aplicativo parece ser o seu pensamento, e entrega exatamente aquilo que você procurava, muitas vezes inconscientemente. 

“O que o torna tão viciante é que ele aprende o que você gosta e o que não gosta”, diz o especialista. “E faz isso rapidamente porque em um minuto você pode assistir a cinco ou seis vídeos.”

Em meio a tudo isso, a música é, de fato, um componente intrínseco ao DNA do TikTok — o que faz total sentido, pensando em sua evolução desde a aquisição e absorção do Musical.ly, aplicativo de dublagem que era moda entre os mais jovens há alguns anos.

Para todas as idades

Não, o TikTok não é uma rede social da geração Z. Talvez por isso, a estratégia da ByteDance, empresa por trás do aplicativo, seja de veicular propagandas do TikTok em horário nobre da TV. “Jornal Nacional: um oferecimento de TikTok” é algo realmente marcante e que nos leva a pensar: quem a plataforma está buscando?

Em resposta ao Tecnoblog, Kim Farrell, disse que brasileiros de todas as idades e estilos de vida estão se unindo ao TikTok.

“O TikTok é uma plataforma muito plural, pois reduz as barreiras de criação de conteúdo […] Costumamos dizer que o TikTok é uma plataforma para todos e divertido para pessoas de todas as idades, interesses e culturas. É um lugar onde usuários e marcas podem ser autênticos e formar comunidades motivadas por interesses que trazem alegria e recompensa como resultado.”

Farrell afirmou ainda que o patrocínio do Jornal Nacional tinha o objetivo de atrair e reter a atenção do consumidor, gerando conversas “que transbordam os meios”. A marca da rede social também apareceu no TOP 5 do futebol da Globo e nas eliminatórias da Copa do Mundo na Globo e no SporTV.

Uma fábrica de hits musicais

Uma pesquisa conduzida nos Estados Unidos em 2020 revelou que 52% das pessoas da geração Z (entre 13 e 23 anos) usavam apps como TikTok ou Triller, e 48% delas consumiam vídeos relacionados à música nas plataformas. 

Segundo um relatório da martech Winnin, 7 entre as 10 músicas mais ouvidas de 2020 no Spotify viralizaram primeiro no TikTok.

Report da Winnin mostra artistas no topo do Spotify — a maioria já havia viralizado no TikTok (Imagem: Reprodução)

Segundo um estudo recente encomendado pelo TikTok à Nielsen, 60% dos usuários usam o TikTok para realizar novas descobertas, e 92% dos usuários que descobrem novos conteúdos na plataforma gostam do que encontram por lá.

Não à toa, a indústria da música está a postos para tirar maior proveito da rede social. Diversas empresas e entidades já correm para se adaptar às novas possibilidades que o TikTok oferece. A Sony Music, por exemplo, tem um acordo de distribuição com a rede social. O Ecad também já assinou um contrato para repassar direitos autorais aos artistas — a entidade explica o seguinte:

“O contrato garante que o Ecad receba regularmente do TikTok os relatórios de uso musical, que consistem em arquivos contendo as informações das músicas com a quantidade de plays ou visualizações em determinado período e em território nacional. Com base nesses relatórios, o Ecad faz o cruzamento automático entre as informações prestadas pela plataforma e o banco de dados de obras musicais e fonogramas, alimentado pelas associações de música que administram o Ecad, para identificar as músicas e fazer a distribuição dos direitos autorais aos titulares de direitos de autor (compositores e editores).”

O Ecad reforça ainda que para receber os seus direitos autorais de execução pública, qualquer compositor ou artista precisa ser filiado a uma das sete associações de música previstas, conforme determina a legislação (Lei 9.610/98), são elas: Abramus, Amar, Assim, Sbacem, Sicam, Socinpro e UBC.

Já a desenvolvedora ONErpm, que distribui músicas de nomes como Nando Reis, Péricles e Kevin O Chris, tem uma parceria global para que as reproduções na plataforma revertam ganhos aos artistas.

Em conversa com Arthur Fitzgibbon, presidente da ONErpm Brasil, soubemos que a parceria é de longa data. 

“Lá em 2018, o aplicativo original do TikTok era um aplicativo de dança, viralizado na Ásia, e começou a entrar no Brasil muito forte com a molecada. Naquele momento, eles ainda não tinham um processo de rentabilização. Porém, houve um processo de aproximação com a ONErpm com a ByteDance, e a gente fechou um acordo com eles, que já tinham um representante no Brasil, para eles fazerem uso da música e a gente trocar por promoção.”

Fitzgibbon explicou ao Tecnoblog que a tendência é que a receita gerada com o TikTok cresça nos próximos anos.

“Todo play é remunerado. Alguns financeiramente, outros através de forma de promoção […] Agora a gente consegue fazer um cálculo suficiente para colocar uma música ali dentro, mas, principalmente, um acordo global de como pagar isso. Antes não tinha uma rentabilidade direta — agora existe, a gente assinou esse convênio, e isso já está começando a fazer a diferença. Ainda é uma diferença pequena, comparada com o Spotify e com o YouTube, mas a gente acredita que nos próximos dois ou três anos, isso vai crescer exponencialmente.”

Por meio da ferramenta Content ID, dentro do TikTok, se qualquer usuário no mundo fizer uso de qualquer trecho de uma música específica, é possível identificar o áudio no sistema deles, reivindicar o áudio e repassar a quem é de direito.

Compondo para o TikTok

Você provavelmente já escutou o refrão chiclete: “E ela tá, tá movimentando”, da emblemática single chamada Tipo Gin. Talvez você não saiba, mas o artista e produtor Kevin O Chris compôs essa música com o TikTok em mente.

Em entrevista com Dani Faria, sócia da agência de empresariamento artístico K2L, conta que o sucesso do hit de Kevin superou as barreiras do online e offline.

“Kevin mostrou Tipo Gin e falou: ‘esse é o meu hit, essa é a do TikTok’”, explicou Dani. “Ele entregou a música e a gente pensou: ‘temos que montar uma estratégia para isso’. Fomos até à Nice House, uma content house aqui do Brasil, e lá eles tiveram a sacada genial do criativo, do lento e depois do rápido, e deu muito certo.”

Kevin O Chris — Foto: Divulgação
Kevin O Chris cirou o hit “Tipo Gin”, que fez sucesso primeiro no TikTok (Imagem: Divulgação)

“A demanda offline foi inevitável. Depois de ver tudo o que aconteceu no TikTok, e os números sendo refletidos no Spotify, no YouTube, a gente já tem a percepção de que a gente precisa expandir, precisa correr atrás de um programa de TV, de outras oportunidades. O Kevin tem muita representatividade em relação a outros artistas, artistas menores, artistas que estão começando — então o trabalho tem que ser pensado em todas as vertentes possíveis e imagináveis a partir de um viral no TikTok.”

Dani Faria, sócia da K2L Empresariamento Artístico

Dani conta ainda que dentro da agência, há uma pessoa do time focada apenas em pensar conteúdo estratégico para o TikTok, mapeando tendências, influenciadores e trazendo para a empresa um olhar de dentro da plataforma.

“O artista que consegue bombar no TikTok consegue tirar dinheiro dali. Ele se torna um influenciador numa plataforma, você pode trabalhar com marcas. E também pode ganhar dinheiro por meio do streaming de músicas”, reitera Dani Faria.

Há segredo para viralizar?

Voltando ao estudo feito pela Winnin, temos o que parece ser uma fórmula básica para todos os hits que viralizam no TikTok.

É claro que há diversos fatores complexos envolvendo o sucesso de uma música, dentro e fora da plataforma, mas a pesquisa chegou a algumas fases cruciais pelas quais boa parte das canções passam até estourarem por lá. Portanto, se você pensa em explodir na rede social, vale considerar os seguintes pontos:

  • Coreografias/desafio: as famosas “dancinhas” são uma ferramenta chave para ajudar a bombar uma música na rede social. Mas os desafios podem ser outros, não necessariamente uma coreografia.
  • Duetos: por vezes, uma base da música com uma melodia de backing vocal, ou mesmo apenas o instrumental, encorajando outras pessoas a cantarem junto ou a reagirem ao vídeo com a canção, compartilhando duetos.

O presidente da ONErpm no Brasil também afirmou que já teve uma reunião de apresentação de música com um artista da desenvolvedora que chegou fazendo a coreografia antes mesmo de reproduzir o single: “Ele apresentou primeiro a dancinha, o desafio, para depois mostrar a canção”.

“Hoje qualquer artista [deve estar no TikTok] — a gente tem Nando Reis e Péricles no TikTok, fazendo um trabalho sensacional e cuidando de sua audiência sem ficar necessariamente fazendo ‘dancinha’. Eles estão trazendo a verdade deles para o público do TikTok”.

Arthur Fitzgibbon – SIM São Paulo
Arthur Fitzgibbon, presidente da ONErpm no Brasil (Imagem: Divulgação)

Nesse sentido, empresas que cuidam da carreira dos artistas podem ajudar a encontrar a melhor solução para cada estilo. O diretor geral da Genero, Alessandro Lima, conta que é importante trazer um conteúdo verdadeiro para a rede social.

“Na Genero, a gente traz o briefing do cliente e monta um time para resolver aquele briefing, em um ambiente de co-criação. Existe um conceito que os americanos chamam de relatability — isto é, se você vir um conteúdo, qual é a sua capacidade de se identificar com aquela situação? Essa é a premissa dos novos tempos de conteúdo. E para o TikTok, acho que é 100%”.

É claro, tudo isso deve ser aproveitado para uma projeção além do TikTok, já que os hits passam tão rápido quanto surgem, e os artistas devem estar sempre atentos ao que vem em seguida. Segundo Fitzgibbon:

“Antes, a música tinha uma vida útil de um determinado período que era um período ‘ok’. Com o TikTok, você massacrou esse tempo. Ele ficou menor. As pessoas começam a trabalhar com maior frequência lançamento de música, de produtos, brincadeiras, danças, desafios. Os artistas estão mais preocupados com isso.”

Diante disso, amarrar bem todas as etapas desde a produção até a distribuição é provavelmente a chave para uma carreira bem encaminhada. “A internet permite atingir pessoas que não necessariamente estariam ali comprando ingressos e assistindo a shows, então, você consegue reverter para um outro público, atraindo outras pessoas”, diz Dani Faria, da K2L, “Existem várias plataformas que se comunicam para vários públicos diferentes. Acho que a grande sacada do artista é estar em todas elas e se comunicar em todas elas para atrair cada vez mais pessoas novas.”

“A música é mais importante do que o artista, porque ela é perpétua, ela fica para a eternidade”

Arthur Fitzgibbon

Outra peculiaridade do TikTok é que o músico não precisa necessariamente ser um influenciador, uma grande personalidade, para que suas obras sejam ouvidas por milhões de pessoas. Na rede social, a música acaba sobressaindo e encontrando formas de viralização por meio dos criadores de conteúdo, nos mais diversos formatos.

Dani Faria, da K2L, comentou sobre esse fenômeno: “Existem artistas que são mais influenciadores, e outros gostam mais de ficar produzindo, escrevendo, fazendo a música, e não gostam tanto de aparecer. Acho que a agência [no caso da K2L] tem que entender até onde o artista quer ir, e obviamente fazê-lo entender que é importante estar nessas plataformas de alguma forma”.

Para Arthur Fitzgibbon, o artista é o instrumento de condução na música, sem ele obviamente as coisas não acontecem, já que ele é o responsável pela matéria prima, mas a música é eterna.

“As pessoas sempre vão lembrar da música […] Todo artista tem que pensar que sua música é sua herança, o seu legado. Quando for fazer esse trabalho, é para a música, não necessariamente para o ego do artista. É legal, é bacana ser reconhecido, tirar foto. Mas é sua música que vai contar sua história para o resto da sua vida”.

E você, que embarcou nessa jornada musical comigo e chegou até aqui — já se rendeu aos prazeres do TikTok? Teve alguma dificuldade para se adaptar à rede social?

Uma fábrica de hits: como o TikTok está redefinindo a indústria da música

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