Moradores e estudantes da zona rural de
Santa Filomena, interior do Piauí (PI), são obrigados a assistir uma peça publicitária de 30 segundos com programas sociais do governo de Jair Bolsonaro sempre que utilizam a internet pública. A propaganda é veiculada como uma obrigatoriedade do programa do Wi-Fi Brasil, do projeto Conecta Brasil, sob responsabilidade do Ministério das Comunicações. A maior parte da verba do projeto é destinada às regiões Norte e Nordeste, onde Bolsonaro teve pior desempenho nas Eleições 2018.- Apagão profissional: há vagas abertas, mas talentos estão fugindo do Brasil
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Estudantes do Piauí têm acesso só depois de publicidade
No povoado de Sete Lagoas, cada vez que alguém acessa a rede por qualquer motivo, as peças publicitárias do governo são reproduzidas. O único aplicativo que roda sem a necessidade de anúncios é o WhatsApp, rede onde Bolsonaro é conhecido por ter força na amplificação de mensagens para sua base de eleitores e apoiadores.
“Para usar o Google e o Caixa Tem, a gente assiste ao vídeo”, diz Gabriela Silva, 14, estudante do 9º ano da Escola Municipal Anita Suder, localizada em Sete Lagoas, ao Estadão. Se qualquer morador do povoado nordestino demorar para usar a rede, ele é automaticamente desconectado e precisa reassistir a propaganda do governo.
Em Sete Lagoas, antes da chegada do Wi-Fi Brasil, os habitantes usavam uma torre que enviava sinal de rede ao povoado. Mas ela foi derrubada por uma ventania em dezembro de 2020, e desde então moradores tem se comunicado principalmente por cartas. Localizado a 60 km do centro urbano de Santa Filomena, o local também carece de sinal de telefonia. Nesse contexto, alunos que quisessem acessar a internet para estudar eram deslocados até fazendas da região, mas alguns não tinham condições de percorrer as distâncias, o que os levava a fazer apenas as tarefas que os professores entregavam em casa.
Wi-Fi Brasil atinge 26 milhões
De acordo com estimativas do Ministério da Comunicação, pelo menos 26 milhões de brasileiros passaram a ter acesso à banda larga por meio do Conecta Brasil — o programa do governo tem um orçamento de R$ 2,7 bilhões.
Desse dinheiro, 91% será destinado a estados do Norte e Nordeste, redutos de oposição do governo Bolsonaro. Em 2018, o atual presidente perdeu para o candidato petista Fernando Haddad no segundo turno; no Norte, houve vitória de Bolsonaro, mas apenas por uma pequena diferença de votos, quando comparado a outras regiões do país.
Entre os programas sociais elencados nas peças publicitárias do governo via Wi-Fi Brasil, estão o pagamento do 13º salário do Bolsa Família e a instalação do sinal de internet nas escolas, segundo prints de tela capturados pelo Estadão.
Para alavancar a popularidade no Nordeste, região com o segundo maior percentual de eleitores no Brasil — são 39,2 milhões de brasileiros que correspondem a 26% dos potenciais votos —, Bolsonaro planeja realizar uma sequência de ações e viagens a capitais e municípios nordestinos. A intenção da agenda de compromissos do presidente é diminuir uma vantagem em relação ao seu principal adversário, o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).
Bolsonaro esteve na região de Santa Filomena em 20 de maio, junto com o ministro das Comunicações, Fábio Faria, e o filho, Carlos Bolsonaro, vereador pelo Rio de Janeiro e um dos supostos responsáveis por articular uma rede de difamação e notícias falsas, conhecida como “gabinete do ódio”. Eles compareceram aos semiárido nordestino justamente para inaugurar a instalação do sinal público de Wi-Fi.
No evento, Fábio Faria destacou que a internet era uma fonte alternativa de informações ao que chamou de “notícias contra o presidente”. E aproveitou para apontar que havia uma perseguição a Carlos Bolsonaro.
Norte Conectado e propagandas obrigatórias
Na outra região de apoio mais delicado, o Norte, estudantes de escolas públicas também só conseguem acessar a internet depois de assistirem propagandas do governo federal.
O Norte Conectado, que é um segmento do Conecta Brasil, terá um total de duas das nove infovias de fibra óptica instaladas em ano eleitoral, em 2022. Outras sete serão finalizadas até 2025.
“O investimento total para o Norte Conectado é de cerca de R$ 1,8 bilhão, dos quais R$ 248 milhões já foram repassados. O restante está condicionado à realização do leilão do 5G”, afirmou o Ministério das Comunicações ao Estadão.
O grande custo do projeto se deve às dificuldades de instalar redes de comunicação e fibra óptica em uma região com grande concentração de rios. Para realizar construções de infraestrutura, o governo precisa realizar estudos hidrográficos e é necessário licenciamento ambiental. Parte dos 12 km de cabos devem passar por baixo de rios para chegar nas comunidades. Não se sabe quantas pessoas serão beneficiadas até o ano que vem, porque os repasses de recursos para esse tipo de empreendimento deve ocorrer apenas depois do leilão do 5G, marcado para acontecer no dia 4 de novembro.
Mas moradores da região do Rio Negro já recebem propagandas do governo toda vez que querem acessar a internet. Lá vivem 23 etnias indígenas, e moradores recebem mensagens e propagandas contra organizações responsáveis por construir relações entre os indígenas e a população.
Marivelton Baré, presidente da Federação das Organizações Indígena do Rio Negro (FOIRN), diz que é frequente o envio de mensagens com conteúdos enganosos sobre ONGs que atuam no local:
“Temos orientado o pessoal com esse negócio de fake news, muito comum, principalmente no momento atual. Como aqui é uma região de fronteira, também tem o Exército falando em soberania nacional (contra as ONGs)”
Procurado pelo Estadão, o Ministério das Comunicações informou que o Cidades Digitais enviou R$ 44,8 milhões em investimento no Nordeste. Desse montante, R$ 16,4 milhões foram repassados no governo Bolsonaro.
De acordo com a pasta:
“A veiculação de vídeos institucionais está prevista no projeto básico da implantação de pontos de acesso gratuito à internet em localidades públicas, pelo programa Wi-Fi Brasil, e é instrumento importante de divulgação de mensagens de utilidade pública”.
Com informações: Estadão
Internet pública chega a povoados com propaganda obrigatória pró-Bolsonaro
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