O leilão que permitirá a chegada do 5G virou uma novela: a gente já discute sobre essa licitação desde 2019, mas já estamos quase em 2022 e nada do evento acontecer. Entre atrasos, discussões regulamentares e o lançamento do precoce 5G DSS, a chegada oficial da quinta geração no Brasil ainda é confusa, mesmo após a aprovação do edital pelo Tribunal de Contas da União (TCU). Entenda todo esse processo e o que ainda falta para a tecnologia virar realidade no país.
- Há espaço para novas operadoras de celular com a chegada do 5G no Brasil?
- Afinal, o 5G DSS que temos no Brasil é “5G de verdade”?

Atrasou? Imagina…
Lá em 2019, quando o conselheiro Leonardo Euler de Morais assumiu a presidência da Anatel, houve o anúncio de que o leilão do 5G aconteceria em março de 2020. Já era tarde em comparação com o resto do mundo, mas o “atraso” era bem visto por Claro, Vivo e Oi, que ainda não conseguiam prever retorno financeiro para o novo padrão.
TCU aprovou edital do leilão, mas com ressalvas
Algo que atrasou o leilão do 5G era a avaliação do edital pelo Tribunal de Contas da União (TCU). A área técnica do órgão apontou uma série de ilegalidades: o parecer afirma que a Anatel exagerou no número de antenas, não determinou a conectividade em escolas e superfaturou o custo para a migração da TV aberta via satélite para outra frequência.
Mesmo assim, os juízes do TCU aprovaram o edital, com apenas um voto contrário do ministro Aroldo Cedraz. Alguns ajustes foram demandados pelo órgão.
Anatel finalizou edital do leilão do 5G
O edital inicial da licitação foi aprovado pela Anatel em fevereiro de 2021, com um texto muito diferente do que era discutido anos atrás. Mas após o pedido de vistas do TCU, a agência precisou reformular algumas regras do documento, e em 24 de setembro de 2021 as regras do certame foram finalizadas.
Quase todas as sugestões do TCU foram aceitas. Se todas as frequências forem vendidas, o governo espera arrecadar pelo menos R$ 10 bilhões com o licenciamento das frequências, dos quais R$ 7 bilhões devem ser destinados a instalação de banda larga em escolas.
Outros R$ 40 bilhões devem ser movimentados pelas operadoras, e o valor compreende o investimento para instalar o 5G no Brasil e cumprimento das obrigações associadas com as frequências,
Veja os preços dos blocos de frequências que serão leiloados pela Anatel:
Frequência/Lote | Valores totais da frequência | Preço mínimo do lote |
---|---|---|
700 MHz | Faixa: R$ 2.300.737,539,06 Compromissos: R$ 3.837.440.315,12 |
R$ 157.628.411,47 |
2.3 GHz Lote de 50 MHz |
Faixa: R$ 4.875.339,17 Compromissos: R$ 5.883.937.064,89 |
R$ 409.145.283,92 |
2.3 GHz Lote de 40 MHz |
Faixa: R$ 3.900.269.239,33 Compromissos: R$ 4.707.419.651,91 |
R$ 327.316.227,13 |
3,5 GHz Lote nacional |
Faixa: R$ 6.040.372.468,08 Compromissos: R$ 5.219.862.372,40 |
R$ 321.350.881,84 |
3,5 GHz Lote regional |
Faixa: R$ 6.040.372.468,08 Compromissos: R$ 7.505.719.271,81 |
R$ 33.171.666,25 |
26 GHz | Faixa: R$ 5.282.400.759,40 Compromissos: (não divulgado) |
20 anos: R$ 528.240.075,94 10 anos: R$ 264.120.037,97 |
Leilão do 5G ocorre em novembro de 2021
Com o edital finalmente formalizado, o leilão do 5G já tem data para acontecer. A licitação ocorrerá no dia 4 de novembro de 2021, e operadoras e demais empresas poderão participar e comprar licenças de radiofrequência.
O ministro das Comunicações, Fábio Faria, estima que algumas capitais brasileiras terão 5G nas frequências do leilão até dezembro de 2021. De qualquer forma, as operadoras têm metas de cobertura, uma vez que o edital estabelece algumas regras sobre a disponibilidade de sinal.
As empresas participantes do leilão do 5G
No dia 27 de outubro de 2021, a Anatel divulgou quais as empresas se inscreveram no leilão de frequências. Das grandes operadoras, Claro, TIM e Vivo já entregaram seus envelopes para disputar um pedaço de espectro. A Oi ficou de fora, o que já era esperado após a venda do negócio móvel para o trio de concorrentes.
Mas existem mais do que três operadoras na disputa por frequências. No total, são 15 proponentes, incluindo pequenos provedores e empresas interessadas em criar redes neutras. São elas:
- Algar Telecom
- Brasil Digital Telecomunicações Ltda
- Brisanet Serviços de Telecomunicações SA
- Cloud2U Indústria e Comércio de Equipamentos Eletrônicos Ltda
- Consórcio 5G Sul
- Fly Link Ltda.
- Highline (por meio da NK108 Empreendimentos e Participações)
- Iniciativa 5G Brasil (por meio da Mega Net Provedor de Internet e Comércio de Informática Ltda.)
- Neko Serviços de Comunicações e Entretenimento e Educação Ltda (com representação de Yon Moreira, CEO da Surf Telecom)
- Sercomtel
- VDF Tecnologia da Informação Ltda
- Winit II Telecom Ltda.
De toda essa lista, chama atenção a participação da Highline, que mantém planos de criar uma rede neutra com 5G e vender no atacado para pequenos provedores. Um modelo de negócios similar deve ser seguido pela Winit II Telecom, mantida pelo Fundo Pátria (antigo controlador da Highline).
É importante lembrar que a lista da Anatel não significa que essas empresas irão (ou poderão) comprar frequências. A agência só deve divulgar quem está realmente apto a disputar um pedaço do 5G no dia do certame, 4 de novembro de 2022.
Os compromissos e obrigações do leilão do 5G
As empresas que decidirem arrematar frequências no leilão do 5G precisarão seguir algumas obrigações e compromissos importantes:
Cobertura em capitais e densidade de antenas
O objetivo do Ministério das Comunicações é que todas as cidades com mais de 30 mil habitantes recebam tecnologia 5G até 2028. Isso não significa, no entanto, que vai demorar tanto para a quinta geração se espalhar no país. É possível que operadoras se antecipem e lancem a nova rede antes do prazo, uma vez que há interesse comercial com a possibilidade de vender banda larga residencial e conectar máquinas.
Ao todo, a proposta das obrigações de cobertura é levar conectividade para 40 milhões de pessoas que hoje estão desconectadas. Sendo assim, esses são alguns dos compromissos estabelecidos pela Anatel:
- em 2022, todas as capitais brasileiras mais o Distrito Federal devem possuir rede 5G com pelo menos uma antena para cada 100 mil habitantes. A cobertura e a densidade vão aumentando ao longo dos anos, até chegar a uma estação rádio-base para cada 15 mil habitantes e o sinal atingir todos os municípios brasileiros com população superior a 30 mil habitantes;
- cidades, vilas, áreas urbanas isoladas e aglomerados rurais que possuam população superior a 600 habitantes devem ser atendidas com tecnologia 4G ou superior. Nas contas do governo, a medida deve beneficiar 18 mil localidades e 8,8 milhões de brasileiros atualmente desconectados;
- quem arrematar a faixa de 700 MHz também deverá construir cobertura de celular em trechos de rodovias federais; no entanto, Claro, TIM e Vivo ficam impedidas de arrematar essa faixa logo na primeira rodada por já possuírem autorização em 700 MHz.

Internet nas escolas
Um dos ajustes do TCU foi a recomendação de conectar escolas com internet de qualidade, e não apenas atender com cobertura como previsto originalmente pelo edital. Não se tratou de uma obrigação, mas o Ministério das Comunicações e a Anatel acataram a prática.
Sendo assim, o próprio governo deverá custear a internet nas escolas. Os recursos serão oriundos das multas e outorga da faixa de 26 GHz (mmWave), que até então era o único espectro que não trazia compromissos de cobertura.
O governo afirma que 72 mil das 85 mil escolas urbanas do Brasil receberão o 5G no formato Standalone, e que as demais instituições de ensino e outras 7 mil escolas rurais serão conectadas via 4G. Além disso, outras 13,5 mil escolas rurais que possuem energia elétrica receberão internet via satélite até julho de 2022, através do Programa Wi-Fi Brasil.
Uso do 5G Standalone
O edital da Anatel define que as compradoras de licenças do 5G deverão utilizar a tecnologia no formato standalone, com rede completamente independente do atual 4G. Para isso, as teles precisam respeitar o Release 16 ou superior estabelecido pela 3GPP.
A medida é defendida pelo ministro Fábio Faria e também pelo relator do edital, Carlos Baigorri, por ser o padrão mais avançado que colocará o Brasil na vanguarda do 5G. Por outro lado, algumas operadoras temem que a exigência atrase o desenvolvimento da tecnologia no Brasil, uma vez que haverá maiores custos para adequação da rede.
A rede segura do governo federal
Um dos pontos mais controversos do leilão de 5G é a construção de uma rede privativa para o governo federal. A portaria do ministério das Comunicações determinou a construção de duas infraestruturas:
- uma rede móvel com tecnologia 4G ou superior para funcionar na região do Distrito Federal. Nessa infraestrutura deverá ser adotada a frequência de 700 MHz com 5 MHz + 5 MHz de espectro;
- uma rede fixa por fibra óptica irá conectar os demais estados brasileiros, para complementar a infraestrutura existente do governo.
Nessa rede segura, ficam estabelecidas exigências mínimas de alta segurança e criptografia, e dispositivos que “obedecerão a regulamentação específica” e que “observem padrões de governança corporativa compatíveis com os exigidos no mercado acionário brasileiro”. Para Fábio Faria, a Huawei não se enquadra nesses requisitos.
De acordo com o edital da Anatel, os compromissos de construção da rede segura do governo federal serão destinados às operadoras que arrematarem a frequência de 3,5 GHz – que é o principal espectro leiloado para ser usado com 5G.
A migração da TV aberta via satélite (TVRO)
As operadoras que comprarem licenças para a frequência de 3,5 GHz deverão arcar com os custos da migração da TV aberta via satélite da banda C para a banda Ku.
A medida servirá para mitigar interferências, uma vez que a banda C compartilha o mesmo espectro do 5G de 3,5 GHz. Com isso, as operadoras deverão custear novas antenas, receptores e a instalação desses equipamentos para famílias de baixa renda inscritas no CadÚnico.
Mas a gente já não tem 5G funcionando aqui?
Sim e não. Com o atraso da licitação, as principais operadoras se adiantaram e lançaram uma versão do 5G com as frequências que já eram utilizadas pelo 4G, 3G e 2G:
Claro
A Claro foi a primeira operadora a trazer o 5G para o Brasil, mas com a tecnologia DSS – sigla para Dynamic Spectrum Sharing, ou “compartilhamento dinâmico de espectro” em bom português. O serviço atende bairros de 14 municípios brasileiros, e não é necessário ter um plano específico para desfrutar da tecnologia – basta usar um smartphone compatível;
TIM
A TIM também possui uma rede 5G DSS, mas sempre faz questão de salientar que se trata de uma tecnologia prévia e que não entrega a mesma performance do 5G “puro”. O serviço atende regiões de 10 cidades brasileiras;
Vivo
A Vivo também tem 5G DSS, assim como as principais concorrentes. A cobertura atinge bairros de 8 cidades brasileiras, e a operadora afirma que se trata de uma tecnologia experimental;
Oi
A Oi também tem uma rede 5G, apesar de não participar do leilão da Anatel e ter vendido a operação móvel para Claro, TIM e Vivo. No entanto, a tele seguiu um caminho diferente das concorrentes e destinou frequência dedicada para a quinta geração. A cobertura abrange 80% da extensão de Brasília (DF).

Portanto, o Brasil já tem redes 5G sim, mas com compartilhamento de frequências com tecnologias antigas ou com espectro reduzido em relação ao que estará disponível após o leilão.
O 5G precoce do Brasil é alvo de críticas da Senacon e de Fábio Faria. O ministro defende que o 5G DSS não é 5G, e chegou a enviar um ofício para a Anatel e operadoras pedindo pela remoção do ícone da quinta geração dos smartphones.
Por outro lado, trata-se de um padrão reconhecido e definido por órgãos globais como a GSMA e 3GPP, mesmo que entreguem uma experiência de uso inferior ao 5G “puro”.
Huawei e a influência dos EUA na escolha de equipamentos
O leilão do 5G também colocou à tona um imbróglio geopolítico. Houve uma tentativa por parte de alguns membros do governo brasileiro e dos Estados Unidos em banir equipamentos da chinesa Huawei no país.
A política de banimento foi seguida por alguns países, incluindo algumas nações da Europa. Vários territórios impediram que as operadoras utilizassem equipamentos de fornecedores chineses ou pelo menos reduzissem a participação.
Um grande lobby foi feito pelos Estados Unidos com o projeto “Rede Limpa”. Um documento divulgado pelo Departamento de Estado norteamericano afirma que o o Clean Network é “um programa da administração Trump para proteger ativos norte-americanos (…) de invasões por atores malignos, como o Partido Comunista Chinês”. O órgão ainda afirma que a Huawei é um braço de espionagem do governo chinês ao lado de empresas como Alibaba, Baidu, China Mobile, China Telecom e Tencent.

No final das contas, nem a Anatel ou o Ministério das Comunicações estabeleceram regras que impedissem a utilização de equipamentos da Huawei nas redes comerciais de 5G. Para as operadoras, isso foi um alívio: o banimento da fornecedora significaria em investimentos ainda maiores, uma vez que seria necessário substituir muitos equipamentos atuais.
A Huawei é uma das principais fornecedoras de rede para as operadoras brasileiras. Estima-se que a empresa responde por algo entre 40% a 50% dos equipamentos utilizados pelas teles nacionais, Recentemente, a Vivo divulgou que 65% da sua rede 4G usa equipamentos da empresa chinesa, enquanto apenas 35% são da sueca Ericsson.
Leilão do 5G no Brasil: a saga até agora, e o que falta acontecer
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