No final de maio, um grupo de brasileiros virou notícia no mundo todo ao divulgar a realização de um experimento extremamente inusitado (e difícil): eles enviaram a criptomoeda bitcoin (BTC) para a Lua através de uma transmissão de rádio, e então receberam a quantia de volta em outra localização através da reflexão do sinal na superfície lunar. Porém, parece que eles arranjaram uma série de problemas regulatórios com a Anatel, sendo questionados sobre a legalidade e veracidade de seus atos pela LABRE (Liga de Amadores Brasileiros de Radio Emissão).
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O projeto Satoshi.Radio.Br foi criado por uma equipe de brasileiros liderados por Márcio Gandra. De acordo com seu site oficial, sua intenção é transmitir bitcoin (BTC) através de ondas de rádio, utilizando equipamento de rádio amador. O grupo realizou seu experimento em abril, afirmando ter conseguido enviar o equivalente a R$ 50 em BTC para a Lua e recebê-lo de volta em outro terminal, usando o satélite natural da Terra como refletor.
Grupo teria “superado Elon Musk” ao enviar BTC para a Lua
Essa tecnologia se chama moon-bounce, criada por militares ingleses na década de 40 para permitir a propagação de ondas de rádio para a Lua, cuja superfície as reflete de volta à Terra. Assim, o grupo de brasileiros se usou dessa técnica para transmitir um código hexadecimal de um arquivo usada para transações de bitcoin, o qual foi recebido e assinado em outro local, concluindo a movimentação dos fundos criptográficos. Enquanto o transmissor estava em Macacos, em Minas Gerais, o receptor estava a 800km em Belo Horizonte.
Todo o processo teria durado cerca de 25 minutos, apoiado por envios em código morse por ser o método de comunicação mais simples para o experimento. Além disso, o equipamento utilizado é considerado básico no radioamadorismo, emitindo frequências em uma potência abaixo do ideal para uma empreitada desse nível. Mesmo assim, o grupo confirma que foi bem sucedido em seu experimento, “superando Elon Musk” ao serem os primeiros a enviar bitcoin para a Lua.
Contudo, em meados de junho, a LABRE se manifestou sobre o ocorrido, destacando problemas regulatórios em níveis internacionais relacionados a uma transação financeira feita através de ondas de rádio. A prática é totalmente proibida pela Anatel, e, além disso, Márcio Gandra, o líder do experimento, não estaria propriamente habilitado para manusear o equipamento utilizado.
Porém, as observações da LABRE se estendem para outro importante ponto. De acordo com cálculos feitos pela entidade, o experimento de Gandra seria cientificamente inviável. O equipamento mostrado nas imagens publicadas no Satoshi.Radio.Br também estariam longe de conseguir concluir a tarefa.
LABRE vê sérios problemas regulatórios
Em entrevista ao Tecnoblog, o presidente da LABRE Marcone Cerqueira, o vice-presidente Roberto Pereira e Alisson Teles Cavalcanti, radioamador e um dos responsáveis pela comunicação da entidade, comentaram o caso.
O principal ponto destacado pela organização foi a natureza financeira do experimento realizado pela equipe de Gandra. Segundo Roberto Pereira, a prática é completamente vetada pela Anatel, independentemente se o bitcoin é ou não considerado uma moeda no Brasil. “Nós, como associação e entidade, tínhamos a obrigação de nos posicionar sobre a legislação”, afirmou Cerqueira.
Outro ponto regulatório perigoso destacado por Cavalcanti é que Gandra e seu projeto já indicaram que possuem a intenção de expandir a prática ao utilizaram satélites dedicados ao radioamadorismo. Ele explicou que são usados microssatélites CubeSats sob a autorização da Anatel para que estações amadoras de rádio operem.
Porém, segundo Cavalcanti, a prática de envio de criptomoedas através de ondas de rádio abriria um precedente perigoso que até mesmo poderia gerar sanções sobre o Brasil para a utilização desses satélites, o que já aconteceu no passado. Esses equipamentos são enviados por outros países, que autorizam sua utilização por radioamadores brasileiros, mas não para fins comerciais ou financeiros.
Roberto Pereira reiterou que a LABRE já recebeu mensagens de outras organizações estrangeiras, questionando o posicionamento da entidade sobre a notícia que repercutiu na mídia internacional, principalmente entre o meio de radialistas.
Além disso, os porta-vozes da LABRE lembraram que Márcio Gandra afirmou ter o COER (Certificado de Operador de Estação de Radioamador), o que o habilitaria a operar uma estação de rádio amadora. Porém, a entidade afirmou que ele não revelou sua licença e tampouco foi encontrado qualquer registro em seu nome.
Para operar o equipamento que Gandra diz ter usado, ele precisaria também registrar o aparelho. Pereira comparou a um documento de registro de veículo. “Mesmo que ele realmente tenha o COER, ele ainda estaria dirigindo um carro não regulamentado”, explicou.
Nas condições divulgadas, experimento seria impossível
Para além de todas as problemáticas legais, o experimento de Gandra levantou inúmeros questionamentos científicos também. Com as informações técnicas divulgadas pelo grupo de brasileiros, a LABRE entende que a transmissão seria impossível. Na opinião de Pereira, o equipamento mostrado nas fotos está longe de ter a potência necessária para realizar algo tão ambicioso.
Cerqueira também explicou que, tradicionalmente, o efeito moon-bounce seria realizado com um equipamento muito mais potente, e que se Gandra e sua equipe replicassem uma transmissão desse nível com a antena mostrada, ela provavelmente derreteria e o experimento se tornaria perigoso para todos ao redor do aparelho. A LABRE também divulgou cálculos que mostram que o envio e recebimento de bitcoin por reflexão lunar de ondas de rádio, nas condições reveladas, seria inviável.
“Nós, da LABRE, estimulamos a experiência e o estudo no radioamadorismo, mas dentro das regras e das normas estabelecidas pela Anatel. Caso estivesse tudo dentro das regulamentações, nós até mesmo nos colocaríamos ao lado dele para ajudar no experimento”, concluiu Cerqueira.
O Tecnoblog entrou em contato com o projeto Satoshi.Radio.Br, buscando um posicionamento sobre a questão. Márcio Gandra, líder da empreitada, respondeu: “Em virtude da denúncia protocolada por eles (LABRE) na Anatel, não estamos autorizados a dar esclarecimentos adicionais. Espero, em breve, poder falar abertamente sobre o feito que, ao contrário do que tentaram fazer conosco, nos orgulha muito”.
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